quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

NEGRO=PRETO+PARDO


ANPIR tem outra interpretação a dados do IBGE
A ANPIR (Associação Negritude de Promoção da Igualdade Racial) de Paranavaí, através do seu presidente, professor e advogado Celso José dos Santos, tem outra interpretação a propósito de dados do IBGE publicados em reportagem elaborada pelo jornalista e professor Saul Bogoni (que utilizou rigorosamente os dados do IBGE), sobre a presença dos negros em Paranavaí e 38 municípios da região Noroeste, publicada no último dia 11 de maio pelo Diário do Noroeste. Na reportagem constou a presença de 3,51% de negros mas, na sua análise, constam 35,6%. Ele explica que a categoria pesquisada pelo IBGE no quesito “cor” ou “raça” é definida como “branca”, “preta”, “parda”, “amarela” e “indígena” e,portanto, a categoria “negra” não é uma simples associação ao quesito de cor “preta”, que ele diz ser um erro conceitual. Para ele, a categoria de análise “negra” é decorrente de uma análise da pesquisa do IBGE e a junção de duas respostas apresentadas no Censo, ou seja, “negro=preto+pardo”.

O artigo do presidente da ANPIR é o seguinte:

Diferente do que constou na reportagem publicada na página 06 do Jornal Diário do Noroeste do último dia 11 de maio de 2010, pelo Colunista Saul Bogoni, a População Negra existente na Região Noroeste (nos municípios selecionados na matéria em questão), era de 35,60%, utilizando-se como fonte de análise os dados do Censo Demográfico de 2000, coletados pelo IBGE, e não como publicado na matéria “Região Noroeste concentra 3,51% de negros”

Numa análise mais apurada dos resultados do Censo do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2000, no que se refere ao quesito “COR ou RAÇA”, conforme quadro anexo, o percentual da população NEGRA no Brasil era de 44,66% (75.872.428 habitantes), no Sul do Brasil era de 15,24% (3.825.963 habitantes) e no Paraná, Estado mais Negro do Sul do País, era de 21,09% (2.017.481 habitantes).

É preciso destacar que o IBGE utiliza, atualmente, como categoria de análise no quesito “COR ou RAÇA”, as cores: BRANCA, PRETA, PARDA e AMARELA e a raça: INDÍGENA e como método de pesquisa a autodeclaração, desse modo a pessoa pesquisada identificará o seu pertencimento étnicorracial, identificando-se com uma das cinco classificações apresentadas pelo IBGE.

Assim, numa leitura direta do Censo, não se pode inferir que a população NEGRA seja apenas aquela que se autodeclara como de cor PRETA, uma vez que a influência do racismo de marca interfere decisivamente na resposta do entrevistado.

Segundo o pesquisador Oracy Nogueira (1985), o Brasil possui um racismo de marca, ou seja, a marca principal que permite a identificação das potenciais vítimas de preconceito é a cor. Para o pesquisador o preconceito se intensifica na razão direta de uma escala de cor que vai do estritamente branco ao completamente preto; quanto mais negra é uma pessoa maior é a probabilidade de ser vítima do preconceito. Em essência, as categorias branca, parda e preta refletem essa escala: são os dois pontos extremos e as posições intermediárias sintetizadas em uma única categoria.

Ocorre que ao se autodeclarar, o pesquisado sofre a influencia desse abominável fenômeno social que é o racismo e, muitas vezes, pelo fenômeno perverso do “branqueamento” é, muitas vezes, levado a se autodeclarar mais branco do que na realidade o é. Contudo ao analisar os indicadores sócio-econômicos dos que se declaram como PRETOS ou como PARDOS, percebe-se uma identificação muito grande entre essa população e um brutal distanciamento entre os que se autodeclararam como BRANCOS.

Por essa razão, pesquisadores sérios e renomados, bem como instituições científicas e governamentais, além do movimento social identificam como NEGRAS as pessoas que no Censo do IBGE se declararam como PRETAS ou como PARDAS.

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) em trabalho desenvolvido pelo pesquisador Rafael Guerreiro Osório, e publicado em 2003, sob o Título “O Sistema Classificatório de “Cor ou Raça” do IBGE”, desenvolvido no âmbito do Projeto BRA/01/013, “Combate ao racismo e superação das desigualdades raciais”, realizado, com recursos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) confirma que

“a agregação de pretos e pardos e sua designação como negros justificam-se duplamente. Estatisticamente, pela uniformidade de características socioeconômicas dos dois grupos. Teoricamente, pelo fato de as discriminações, potenciais ou efetivas, sofridas por ambos os grupos, serem da mesma natureza. Ou seja, é pela sua parcela preta que os pardos são discriminados. A justificava teórica é obviamente mais importante, pois ao fornecer uma explicação para a origem comum das desigualdades dos pretos e dos pardos em relação aos brancos, coloca os dois grupos como beneficiários legítimos de quaisquer ações que venham a ser tomadas no sentido de reverter o quadro histórico e vigente dessas desigualdades. (Ipea texto para discussão | 996 | nov. 2003, disponível em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2003/td_0996.pdf)”.

Essa referência científica e oficial serve para reafirmar que não é pela influência de ONGs ou de ENTIDADES, que lutam historicamente pelo fim da escravidão e pela superação de suas conseqüências, combatendo todas as formas de preconceitos e discriminações raciais existentes em nosso País e em nosso Estado do Paraná, que os livros didáticos e os documentos oficiais interpretam os dados do Censo do IBGE agrupando PRETOS e PARDOS e não excluindo. Ao contrário, a Região Noroeste possui a maior concentração da população negra do Paraná, tendo Municípios como Paranapoema (59,26%), São João do Caiuá (54,42%), Paranacity (53,76%) e Santo Antonio do Caiuá (50,10%), cuja maior parte de sua população é negra e os demais municípios da Região Noroeste possuem concentração superior à média do Estado do Paraná (21,09%).

O Paraná, Estado mais negro do Sul do Brasil, até pouco tempo bradava a inexistência de negros em seu território, numa nítida posição eugênica. E Paranavaí, com um terço de sua população (31,61%) negra, tem que envidar esforços no sentido de fazer com que o desenvolvimento econômico e social chegue também a essa parcela da população que, “por triste coincidência” pode ser encontrada na região mais periférica de nosso Município, embora nossos antepassados tenham sido pioneiros na ocupação dessa região.

É inconcebível afirmar que em Paranavaí há apenas 3,05% de NEGROS e na Região Noroeste 3,51%. Mesmo que empiricamente bastaria olharmos para nossos vizinhos, amigos, parentes e conhecidos, colegas de trabalho e de estudo para vermos o enorme contingente de população negra existente em nossa cidade e região.

E mais, acaso ter poucos negros seria algo bom para nossa região? Será que o bom é apenas o fato do Paraná ser o 3º Estado preferido por estrangeiros? Ou ainda, será que o fato da Região Noroeste, ser a região mais negra do Estado, fez com que a mesma fosse discriminada, encontrando-se hoje entre uma das regiões mais carentes do Paraná, com reduzido volume de investimentos públicos, se comparada a outras regiões estaduais?

Nesta época em que se rememoram 122 anos de assinatura da Lei que aboliu a escravatura no Brasil, há de se perguntar quando chegarão aos afrodescendentes de escravizados (negros) os frutos dos mais de 400 anos de trabalhos forçados prestados a esse País. Quando haveremos de ver aprovado o Estatuto da Igualdade Racial? Quando haveremos de poder comemorar um único feriado a um herói negro? Quando haveremos de ver as políticas públicas de ação afirmativa e de reparação sendo efetivamente implementadas?

O país passa por transformações profundas, onde todos, sobretudo os menos favorecidos começam a ser incluídos. Pela primeira vez na história temos um Ministério preocupado com a igualdade racial do povo brasileiro. Pela primeira vez o Governo do Estado assina um Pacto pela Promoção da Igualdade Racial, inclusive tendo estruturas governamentais específicas para promover a Educação das Relações Etnicorraciais. E depois de séculos de lutas, o Movimento Negro e as organizações sociais tem espaço para interferir na formulação de políticas públicas para promover a cidadania de seu povo, e em particular da parcela negra de sua população.

Em 2009, Paranavaí realizou sua primeira Conferencia Municipal de Promoção da Igualdade Racial, porém é preciso dar consequência pratica às decisões aprovadas, para que, num futuro próximo não tenhamos mais pessoas que não percebam a presença negra em nossa cidade e em nossa região, mas ao contrário valorizem e se orgulhem dessa presença negra.

Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos

Ainda somos os mesmos, e vivemos

Ainda somos os mesmos, e vivemos

Como os nossos pais...

(Belchior)
Fonte: * Celso José dos Santos, é Advogado, Especialista em Direito do Estado, Professor da Rede Pública Estadual de Educação do Paraná, Secretário Educacional da APP-Sindicato – Núcleo Sindical de Paranavaí, Presidente da ANPIR – Associação Negritude de Promoçã

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